Celso Pinto CariasColunistas

“Deus, Pátria, Família e Bomba!!” (Ou qual cão interior você alimenta)

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

            Psiquiatras e psicólogos têm falado de “dissonância cognitiva coletiva”, uma espécie de surto coletivo que impede pessoas de ver o razoável, mesmo que discordando. É apavorante, mas parece que estamos chegando perto demais de um episódio traumático para a humanidade, como o nazismo, pois tem acontecido em muitas partes do mundo.

            O recente caso do homem que estourou uma bomba na capital federal brasileira, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) é, talvez, o símbolo mais eficaz da situação dramática na qual nos encontramos. Mais até do que oito de janeiro de 2023, pois neste momento ainda se estava sob a raiva de uma derrota não compreendida. Contudo, o tempo foi passando e a dissonância foi permanecendo. E, para variar, a mídia oficial não aprofunda o assunto.

            E o pior é tratar o assunto como um caso isolado. Seria mais uma pessoa que surtou e resolveu estourar uma bomba, matando a si próprio, mas poderia deixar mais gente morta e ferida. Afinal, “maníacos do parque” sempre existiram.

            Aí, propagadores do ódio lamentam, mas dizem que não têm nada a ver com isso. Afinal, essa pessoa, que estourou uma bomba, agiu sozinho. Os arautos do ódio são pessoas más que agem sobre pessoas boas. Pessoas más que em momentos de paz se retraem, mas não mudam. Este fanático senhor católico certamente não era perfeito, mas em um ambiente de fraternidade, diálogo e compreensão ele poderia não ter chegado aonde chegou.

            Ao longo da história humana já passamos por vários momentos assim, com consequências terríveis. Está acontecendo agora em Gaza. Porém, a proporção se agiganta com o volume de desinformação transmitida pela mídia, de todos os tipos, pois a tecnologia da informação cresceu assustadoramente. Agora com a Inteligência Artificial tenderá a piorar. Sim, não se pode demonizar a tecnologia, mas precisaremos reencontrar o caminho da convivência pacifica. Estamos no limite.

            Contudo, é preciso ter consciência de que não será fácil. Será preciso respeitar a condição humana até em situações como a do senhor falecido por ter recebido propaganda odiosa em sua frágil vida. O caso de jovens que matam com metralhadoras em cinemas não é diferente. O desafio é que volta a ser uma estratégia política para agregar força junto à sociedade. Um ministro nazista já dizia: “conte uma mentira mil vezes que ela se tornará uma verdade”. Há inclusive religiosos cristãos, que citam Jo 8,32: “a verdade vos libertará”, pois acreditam ser esta uma estratégia necessária para alcançar a “verdade”, isto é, mentir para chegar à verdade máxima. Falam de “liberdade de expressão” para ofender até a mãe de um pretenso opositor.

            Utilizam-se de temas fundamentais para a maioria da população, como Deus e família, para fazer as pessoas agirem sem pensar, negando a própria racionalidade, dada por Deus aos seres humanos, e assim as empurram para explodir bombas, enquanto eles ficam produzindo mensagens pela internet.

            Um grande teólogo uruguaio, Juan Luis Segundo, falecido em 1996, publicou um livro que já alertava para a necessidade do cristianismo retomar perguntas chaves para inculturar o cristianismo dentro desta nova realidade: “Que mundo? Que homem? Que Deus?”, no Brasil publicado em 1995. Mas parece que temos muita dificuldade para ouvir avisos com muita antecedência.

            Assim como na história atribuída ao legislador grego Licurgo, século IV A.C., podemos alimentar dois cães dentro de nós: o ódio ou amor. Reza a história que ele foi chamado para falar sobre o “poder da educação”. Pediu seis meses para se preparar. Acharam muito estranho, mas assim aconteceu. Chegou o dia da conferência. Ele chama os servos com quatro jaulas. Dois cães e dois coelhos. Cães absolutamente da mesma raça. Soltou um coelho e um cão. O cão estraçalhou o coelho. Mandou soltar o outro cão. As pessoas não queriam ver de novo o ritual terrível. Mas assim aconteceu. Então, o cão foi ao encontro do coelho e começou a brincar. A partir daí ele começou a palestra: um cão foi alimentado com amor, o outro com ódio.

            Por fim, se cristãos compreendessem as “Bem Aventuranças” de Jesus Cristo, certamente este senhor católico não teria se matado, colocando em risco outras vidas, em nome de algo que ele foi levado a acreditar como um bem maior. Neste contexto, como diz Chico César, “Deus me proteja de mim e da maldade de gente boa. Da bondade da pessoa ruim. Deus me governe e guarde ilumine e zele assim”.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

Botão Voltar ao topo